Depois das orgias gastronômicas das festas, nos resta encontrar uma maneira de concretizar a promessa de abstinência nos primeiros dias do novo ano, para recuperar a rotina. Os exageros incluíram: churrasco, salada de maionese, salpicão, torta fria, peru, farofas, frutas cristalizadas e leitão. E os doces? So-cor-ro! Era rabanada, pudim, bolo, sorvetes, caramelados, panetones e docinhos para todo o lado. Os ingredientes também não colaboravam: caldas, chocolates, leite condensado, nozes, avelãs e castanhas. As frutas, que decoravam a mesa, serviam como desculpa para não pesar demais a consciência. Como perder todas as calorias adquiridas nesse período, se o tempo da caminhada ou qualquer outro esporte, gastamos conversando com os familiares ou dormindo? Os poucos exercícios realizados foram o levantamento de copo e o fortalecimento dos músculos da língua.
Portanto, não só jejum dos alimentos serão necessários, mas também daqueles papos desagradáveis, que geralmente aparecem nessas reuniões: sabe da fulana? Pois é, que horror! E o filho daquela tia? Jura!? É gay! Engordou, emagreceu, está usando drogas, bebe demais, é um chato ou mentiroso. Bah! Mas e aquele que fez um negócio errado e perdeu tudo. Tem o que ganhou muito dinheiro. Então deve ter dado o golpe em alguém. E aquela prima danada, separou outra vez. Mas se for o primo, talvez ele tenha razão. Coitado, a mulher não cuidava direito. E na hora de ir embora? A mais sensível, que chorava nas despedidas, já não derrama uma lágrima. E ainda escuta: olha, está virando homenzinho, hein? Nem choraminga mais. (Provavelmente ela tenha se tornado um mulherão). E assim, nos pequenos detalhes, vamos reforçando nossa cultura machista. Eu, particularmente, prefiro continuar desconstruindo. E já percebo esse movimento crescer, inclusive, nessas ocasiões.
E quando começam as discussões sobre política? Melhor sair do recinto. Pode complicar o brinde do ano novo. Pois é, todas as famílias possuem diferentes posições. Controlar isso em encontros anuais pode ser tarefa delicada.
Brincadeiras à parte, uma das coisas mais lindas é a família. A nossa, é claro. Mesmo com toda a diversidade de pensamento, são as nossas referências (quase sempre) nos momentos de decisão.
Ao retornar para Santa Maria, depois de rever a parentada, me deparo com um percalço. O problema, na verdade, foi regressar mais cedo do que o previsto. A ansiedade fez refletir sobre como ficou o ambiente doméstico e o que precisaria ser organizado. Desmontar os enfeites de Natal, por exemplo, espalhados por todos os cantos da casa.
Chegar em nossa cidade, próximo ao meio-dia, no primeiro dia do ano, pode ser um problema. Aquele bufê perto da sua casa não está funcionando. Tudo bem, é dia de folga. Rapidamente o raciocínio te faz lembrar que não tem absolutamente nada na sua geladeira, pois estivemos fora por alguns dias. Buscamos os restaurantes mais antigos e tradicionais. Fechados. Os mais novos: lacrados. Quem sabe uma padaria, lanchonete, fruteira? Nada. Então não vamos começar o ano reclamando: era hora do jejum mesmo. De noite certamente encontraremos um lanche para nos salvar. E tinha. Viva Santa Maria e uma de suas características mais famosas: o melhor "X" do Brasil está aqui. Acabou a dieta.
Mas, por favor, no retorno aos nossos cotidianos, abstenha-se de invadir a vida dos outros. Esse é o verdadeiro jejum que devemos manter, sempre. Precisamos mais de posturas éticas e não moralistas.